8 de jul. de 2011

Mecanismo das Políticas Públicas

A aplicação das políticas públicas do setor cultura pode ocorrer por meio de diversos mecanismos. Passamos agora a relacionar os mais frequentemente utilizados nas últimas décadas, fazendo as observações sobre sua adequação a cada tipo de política.

O Estado como produtor de eventos culturais
É comum o Estado realizar festivais, mostras ou eventos culturais de aniversários das cidades ou outras datas comemorativas. Nesses casos, mesmo sem interferir na produção das obras culturais, o Estado “produz” o evento cultual. Por isso, muitas vezes, esse tipo de política é criticada como interferência indevida do Estado na “produção cultural”. Então é preciso distinguir “produção de eventos culturais” de “produção de obras culturais”. É admissível que o Estado faça a primeira, respeitados certos limites para não prejudicar a “produção de eventos culturais” da própria sociedade, mas não é adequado que o Estado interfira na “produção de obras culturais”, seja por encomenda ou por sujeição dos corpos de baile ou orquestras sinfônicas aos seus interesses políticos.
Outra coisa a observar é que, mesmo na “produção de eventos culturais”, a seleção dos grupos artísticos pode seguir critérios políticos, o que também caracteriza o “dirigismo cultural”. Para evitar isso, é importante que, em lugar de escolhas monocráticas da autoridade cultural, haja processos seletivos transparentes, com abertura de prazos para inscrições dos interessados e comissões de seleção com participação de representantes da comunidade.
Observe-se ainda que as decisões isoladas de autoridades facilitam outros desvios da função estatal de fomentar a cultura, tais como o apadrinhamento, o personalismo, o clientelismo e até a prática da corrupção. Tudo isso se contrapõe à necessidade da sociedade de ter políticas públicas voltadas para o desenvolvimento do setor. No caso da cultura, a necessidade de apoio ou financiamento de projetos culturais privados que sejam importantes para o fortalecimento da cultura local, regional e nacional.

O apoio à produção cultural comunitária por decisão individual no Executivo
Existem diversas formas de apoio estatal à produção cultural comunitária, seja apoiando ou financiando a produção de obras ou de eventos culturais propostos pela comunidade. Conforme o caso, há mais ou menos transparência e democracia no processo de escolha. Pode haver, por exemplo, processos em que a escolha se dá unicamente pela autoridade dirigente do órgão cultural, alegando poder discricionário para apoiar quem ela quiser. Então, é comum que as escolhas ocorram sem qualquer processo seletivo.
Nesse mecanismo, geralmente, não há transparência. As negociações ocorrem nos gabinetes dos dirigentes, o que favorece a manipulação do administrador em favor de grupos ou obras que queira privilegiar. Assim, facilita não só o “dirigismo cultural”, mas também o personalismo, o clientelismo e até a corrupção. A utilização dessa forma de decisão tende a regredir em função do princípio da impessoalidade da Administração Pública, inserido na Constituição de 1988.

O apoio à produção cultural comunitária por decisão individual no Legislativo
Outro mecanismo de apoio que pode ter critérios de escolha semelhantes ao da decisão individual do executivo é o da aprovação de “emendas parlamentares”. A autoridade parlamentar pratica um certo poder discricionário para incluir uma emenda no orçamento em favor do projeto que ela quiser. Não há processo seletivo. Formalmente, a decisão pode até ser coletiva, se for referendada por comissões parlamentares, mas, na prática, os deputados dividem antecipadamente os valores de emendas individuais que cada um irá propor e depois todos homologam as emendas trazidas por cada um.
Termina sendo um mecanismo de decisão individual do parlamentar. Esse tipo também favorece o clientelismo, porque as negociações ocorrem nos gabinetes parlamentares. Portanto aqui também não há transparência. É uma política que também facilita a manobra dos parlamentares em favor de um ou outro grupo em função de proximidade política, o que é outra forma de praticar o “dirigismo cultural”. Como no caso anterior, facilita o clientelismo, o personalismo, e até a troca de favores e desvio de parte dos recursos para o parlamentar, mas, mesmo assim, tem crescido a sua utilização, mesmo depois de a Constituição de 1988 tratar a impessoalidade como princípio da Administração.

O apoio estatal à produção cultural comunitária por decisão da iniciativa privada
É um mecanismo conhecido como “Leis de Incentivo”, no qual o governo confere poder às empresas privadas para que elas usem dinheiro público no apoio aos projetos culturais que elas quiserem escolher. Essas empresas devem entrar com uma parte de recursos próprios e isso lhes assegura o poder de decisão, quase que sem nenhuma interferência do Estado. A este só cabe fornecer um certificado previamente qualificando o projeto para ir procurar o apoio com base na lei de incentivo. As empresas ficam à vontade para realizarem ou não um processo seletivo e raramente realizam.
Esse é outro mecanismo que favorece o clientelismo, porque as negociações podem ocorrer nos gabinetes dos setores de marketing das empresas privadas. Nos 25 anos de existência das leis de incentivo federais (Lei Sarney, posteriormente substituída pela Lei Rouanet) tem havido inúmeros casos de denúncias de artistas que receberam pedidos de propina ou de declararem valores superiores aos recebidos para aprovação de seus projetos. Essas declarações majoradas terminam fazendo com que a empresa obtenha do Estado um ressarcimento até superior ao que deram ao projeto apoiado. É, na prática, uma forma de saquear os recursos estatais. Essas duas leis de incentivo nunca obrigaram as empresas a estabelecerem processos democráticos de seleção nem a divulgarem seus critérios. Portanto aqui a transparência dependerá da boa vontade das empresas privadas.

O apoio estatal à produção cultural comunitária por fundos de cultura
Esse é o mecanismo em que o Estado constitui um fundo de recursos públicos para apoio ou financiamento dos projetos da comunidade e que as decisões de aplicação, em geral, contam com participação de representantes da comunidade cultural. A legislação obriga a realização de processos seletivos públicos, divulgados com antecedência suficiente para que a comunidade apresente seus projetos detalhados. Para concorrer aos recursos, os projetos devem conter: apresentação, objetivos, justificativas, respectivos orçamentos, cronogramas e equipes envolvidas no trabalho, etc. A divulgação da abertura do período de apresentação de projetos acontece por obrigação legal decorrente do princípio da publicidade. O FAC é um desses fundos.
A seleção dos projetos é feita por comissões que julgam o mérito cultural, a adequação orçamentária, e compatibilidade dos currículos da equipes com a complexidade dos trabalhos a serem desempenhados e com os valores previstos nos pagamentos de pessoal. Como se vê aqui, a escolha dos projetos deve obedecer aos critérios de mérito definidos no edital. Isso é necessário para atender ao princípio da impessoalidade. Além disso, vemos que alguns dos itens que serão julgados (adequação orçamentária e compatibilidade de currículos com os trabalhos) também buscam atender ao princípio da eficiência.
As comissões julgadoras geralmente são compostas por autoridades constituídas e representantes eleitos ou indicados pela comunidade cultural. Em lugar de escolhas individuais da autoridade, temos aqui um tipo de julgamento realizado por colegiados, o que contribui para o atendimento do princípio da moralidade. Mais seguro ainda será se as comissões julgadoras contarem com participação paritária da comunidade, como é no caso do FAC.

Por fim, quanto ao princípio da legalidade, todas as formas de aplicação de recursos públicos devem estar previamente previstas em lei. Então presume-se que seja um princípio presente em todas as aplicações de recursos públicos acima descritas. Mas, como se vê, a forma de aplicação de fundos de cultura é a que melhor se adequa à Constituição porque, dentre as políticas públicas de apoio a projetos da comunidade, esta é a única em que favorece a observância de todos os princípios da Administração Pública e também os direitos previstos no art. 215.

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